MOVIMENTO

Refugiados e populações indígenas recebem assistência da ONU

Abrigo e doações de unidades habitacionais para isolamento de pacientes com Covid-19 ajudam população refugiada e migrante. Acnur também está apoiando Funai e indígenas brasileiros
Por Gilson Camargo* / Publicado em 22 de julho de 2020
Refugiados que chegam a Boa Vista (RR) são encaminhados a outros estados no programa de interiorização do Acnur

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

Refugiados que chegam a Boa Vista (RR) são encaminhados a outros estados no programa de interiorização do Acnur

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

Monitoramento feito pela Agência da ONU para Refugiados (Acnur) revela que dos 5 mil indígenas venezuelanos registrados no Brasil, cerca de 2,3 mil pessoas foram beneficiadas com kits de higiene, limpeza, cozinha, entre outros itens, em Roraima, Amazonas e Pará. Nas cidades de Boa Vista e Pacaraima (RR), mais de 1,4 mil indígenas estão em abrigos da Operação Acolhida com apoio do Acnur.

Em Belém e Manaus, em parceria com as prefeituras das cidades, outros 776 estão abrigados. No total, mais da metade da população de indígenas venezuelanos no Brasil recebeu algum tipo de ajuda do Acnur. Os dados são do relatório de Atividades para Populações Indígenas de junho, que traz as diversas ações que a agência realiza para garantir os direitos e atendimento dessas populações.

Na capital paraense, a agência presta apoio técnico à prefeitura no planejamento e adaptação do novo abrigo indígena municipal para até 450 pessoas, garantindo que a população abrigada tenha acesso a estruturas adequadas de água, saneamento e saúde. Ao todo, mais de mil indígenas da etnia Warao estão espalhados por municípios do Pará.

Outra medida importante da agência foi a doação de três Unidades Habitacionais para Refugiados (RHU) para a prefeitura de Santarém e mais oito unidades para a cidade de Belém, em junho. Em Santarém, as RHU estão sendo utilizadas para ampliar áreas de isolamento e salas de saúde durante a pandemia de Covid-19. Já em Belém serão utilizadas para ampliar espaços de convivência e de ensino para a população indígena Warao.

Casos de Covid-19 entre indígenas

 

Indígenas Warao em Manaus participam de projeto de rádio comunitária

Foto: Felipe Irnaldo/ Acnur/ Divulgação

Indígenas Warao em Manaus participam de projeto de rádio comunitária

Foto: Felipe Irnaldo/ Acnur/ Divulgação

O relatório de Atividades para Populações Indígenas produzido pelo Acnur e realizado junto à população de indígenas venezuelanos no país indica que nove pessoas faleceram este ano devido a complicações relacionadas à pandemia do novo coronavírus.

O levantamento revela que essas mortes, todas de pessoas da etnia Warao, estão concentradas na região Norte do país, onde vive a maioria dos refugiados e indígenas venezuelanos que buscaram proteção e assistência no Brasil.

Seis falecimentos de indígenas venezuelanos ocorreram no estado do Pará, e outros três no Amazonas, Pernambuco e Roraima.

O Acnur monitora a morte de indígenas venezuelanos no Brasil desde junho de 2017. Das 80 mortes registradas até agora, mais de um terço está associado a doenças respiratórias, como pneumonia e tuberculose. Causas desconhecidas representam 19% dos casos. Em relação às mortes registradas em 2020, a Covid-19 responde por 32% dos casos.

O relatório revela também um aumento no registro de indígenas venezuelanos no Brasil por parte do Acnur, o que contribuiu para aperfeiçoar as ações de proteção dessa população. Em junho, 5.020 indígenas venezuelanos estavam registrados pelo Acnur, um crescimento de 10% em relação ao mês anterior.

“O levantamento é um trabalho do Acnur em colaboração com diversos atores. A principal fonte de dados são os certificados de óbito emitidos pelas secretarias de Saúde municipais”, explica Sebastian Roa, Oficial Associado de Proteção do Acnur. “Outras fontes incluem organizações que estão em contato direto com a população, como secretarias de Assistência Social e sociedade civil organizada”.

SITUAÇÃO NO PARÁ – Para dar luz às necessidades específicas de populações originárias da Venezuela em deslocamento forçado no Pará, o Acnur vem realizando desde o fim de 2019 atividades de registro e monitoramento dos Warao abrigados em espaços públicos e privados nos municípios de Belém, Ananindeua e Santarém. Em um primeiro exercício realizado em dezembro do ano passado, mais de 400 indígenas foram registrados na ocasião.

Os resultados apontam que as populações indígenas do país vizinho possuem o dobro de necessidades específicas de proteção do que a média dos refugiados e migrantes venezuelanos registrados pelo Acnur. Entre estas necessidades identificadas, 41% delas correspondem a crianças em situação de risco. O alto número de crianças fora da escola – 39% dos registrados – colabora para essa situação. Outras necessidades específicas identificadas incluem gravidez na adolescência e casamento infantil.

Outro desafio importante identificado pelo estudo diz respeito à proteção legal e física, especialmente dificuldades de acesso à documentação – são pessoas com documentação vencida, indocumentadas ou com documentos com informações equivocadas.

“Muitos indígenas venezuelanos não tinham acesso a documentação em seu país de origem. Quando os Warao chegaram ao Brasil, perceberam a importância de ter documentação para acessar os serviços públicos e nós temos trabalhado para conscientizá-los sobre como e onde emitir seus documentos”, explica Janaina Galvão, responsável pelas atividades do Acnur no estado do Pará.

Enquanto a falta de acesso à renda é outro grave problema, o acesso efetivo a benefícios da assistência social ainda é limitado. Os motivos do não recebimento do benefício entre essa população incluem a falta de informação, barreiras linguísticas, documentação expirada, não atendimento a um dos critérios de elegibilidade (especialmente a permanência dos filhos na escola), dificuldades das equipes técnicas para cadastrar pessoas em situação de refúgio, transferência entre municípios, entre outros.

“Nesse contexto, o Acnur tem trabalhado em parceria com a prefeitura de Belém e outros parceiros da rede local de proteção para garantir que os servidores públicos estejam familiarizados com a documentação de solicitantes de refúgio, bem como com seus direitos e deveres para facilitar o acesso às políticas públicas”, completa Janaína. “Também temos apoiado a produção e compartilhado material informativo audiovisual no idioma Warao para facilitar o acesso das populações indígenas aos programas emergenciais lançados pelo governo federal”, explica a chefe da Unidade de Campo do Acnur no Pará.

DOAÇÃO À FUNAI – No programa de assistência aos povos indígenas brasileiros, o Acnur doou à Fundação Nacional do Índio (Funai) 35 Unidades Habitacionais para Refugiados em Boa Vista. As unidades habitacionais serão utilizadas para o isolamento de indígenas Yanomami confirmados ou com suspeita de Covid-19, tanto em locais estratégicos dentro da Terra Indígena Yanomami como em locais urbanos onde essas populações habitam. Mais 39 RHUs foram doadas para a Funai e serão usadas no município de Tabatinga, no Amazonas. O uso será igualmente voltado ao isolamento de indígenas brasileiros.

“O Acnur trabalha em colaboração com autoridades locais e parceiros em diversos municípios dos estados do Pará, Amazonas e Roraima, promovendo sensibilização e advocacy (defesa) e fortalecendo as capacidades relacionadas à proteção de refugiados e migrantes”, pontua Jose Egas, Representante do Acnur no Brasil. A agência igualmente oferece apoio técnico à Operação Acolhida, a resposta humanitária do governo federal ao fluxo venezuelano no ordenamento de fronteira, registro, abrigamento e interiorização.

As ações foram realizadas pelo Acnur – os recursos vêm de doações da sociedade civil – no marco da Plataforma R4V – Resposta a Venezuelanos, uma coordenação interagencial do sistema das Nações Unidas e da sociedade civil. A Plataforma é composta por um conjunto de parceiros e tem como objetivo responder ao fluxo de venezuelanos na América Latina e Caribe. No Brasil, o programa congrega 13 agências da ONU e 27 organizações da sociedade civil.

Apoio para um recomeço em outros estados

Margarita é uma das beneficiadas pelo auxílio financeiro oferecido pelo ACNUR com apoio da União Europeia

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

Margarita é uma das beneficiadas pelo auxílio financeiro oferecido pelo ACNUR com apoio da União Europeia

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

De máscaras no rosto, mantendo distanciamento físico e malas nas mãos, 27 venezuelanos abrigados em Boa Vista, em Roraima, foram para o aeroporto da cidade no dia 16 de julho para embarcarem, junto com suas famílias, para Juiz de Fora (MG).

Os participantes dessa rodada do programa de interiorização – um dos pilares da resposta governamental ao fluxo de venezuelanos que chega ao país desde 2016 – receberam apoio da Agência da ONU para Refugiados (Acnur). Eles recebem proteção social e apoio financeiro e material para um novo recomeço em plena pandemia de coronavírus no país, com um dos maiores índices de infectados e mortos no mundo.

Um dos objetivos do programa de interiorização voluntária é aliviar a grande concentração de refugiados e migrantes venezuelanos no estado de Roraima, permitindo que essas pessoas possam se integrar em outros estados brasileiros, colaborando assim com a economia e no desenvolvimento da sociedade local.

Para cada uma das famílias, que foram recebidos pela ONG Aldeias Infantis SOS, parceira do Acnur no Brasil, foram distribuídos kits de cozinha – equipados com panelas, talheres e vasilhas – e auxílio financeiro emergencial por meio de um cartão pré-pago que, por três meses, irá apoiar essas pessoas até que possam encontrar trabalho e uma moradia própria.

 

Programa do Acnur prioriza refugiados com maior vulnerabilidade

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

Programa do Acnur prioriza refugiados com maior vulnerabilidade

Foto: Allana Ferreira/ Acnur/ Divulgação

MULHERES – O kit de cozinha foi particularmente especial para a Margarita Chalón Lisboa, venezuelana de 51 anos que chegou sozinha ao país. “Eu gosto muito de cozinhar e esse kit de foi um presente para mim, porque espero conseguir realizar meu sonho de começar meu próprio negócio”, disse, emocionada.

Mãe de sete filhos, ela relata que, ao chegar no Brasil, viveu nas ruas de Pacaraima e Boa Vista, até que ser acolhida no abrigo Rondon 2, em Boa Vista, onde esperava por essa chance de recomeçar em outra parte do país.

“O Acnur procura acolher as pessoas com um perfil de maior vulnerabilidade dando o apoio necessário para se reestabelecerem em um novo local. Mulheres e mães sozinhas, pessoas idosas, com algum tipo de limitação física ou famílias com muitos membros ou crianças são alguns dos perfis”, explica Maria Carolina Indjaian, supervisora da unidade de interiorização da agência em Roraima.

Os itens vêm de parceiros e doadores. As máscaras entregues aos venezuelanos foram produzidas por outros refugiados que fazem parte do Projeto Prevenção sem Fronteiras, parceria entre Acnur, Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social de Roraima (Setrabes) e Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiado (SJMR).

A estratégia de auxílio financeiro (CBI, na sigla em inglês) e a manutenção dos abrigos da Operação Acolhida geridos pelo Acnur, por meio de parcerias com as organizações Associação Voluntários para o Serviço Internacional (AVSI) e Fraternidade – Federação Humanitária Internacional (FFHI), recebem o apoio financeiro da União Europeia por seu instrumento ECHO (Ajuda Humanitária e Proteção Civil), que, junto as contribuições de outros países, permite à operação do Acnur no Brasil prover assistência aos migrantes.

*Com informações da Agência da ONU para Refugiados.

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