OPINIÃO

Atividades concomitantes e a aposentadoria dos professores

O professor que atua em mais de uma instituição ou em funções diversas dentro de um mesmo período tem direito ao reconhecimento de todo o tempo trabalhado em cada um dos vínculos
Por Marcela Frare / Publicado em 4 de outubro de 2024

Atividades concomitantes e a aposentadoria dos professores

Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

Foto: Joel Rodrigues/Agência Brasília

A realidade dos professores no Brasil frequentemente envolve o acúmulo de cargos e funções em diferentes instituições de ensino, refletindo a complexidade e a multiplicidade de tarefas desempenhadas por esses profissionais. Muitos dividem sua jornada de trabalho entre o ensino em escolas públicas e privadas, atuando em diferentes níveis educacionais, como a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio. Além disso, é comum que o professor concilie sua atividade principal com funções de coordenação pedagógica, direção escolar ou, em alguns casos, até mesmo com o exercício de atividades autônomas, como aulas particulares ou consultoria pedagógica.

Esse cenário de acúmulo de atividades simultâneas, tecnicamente denominado “concomitância de atividades”, tem implicações diretas no planejamento previdenciário e na aposentadoria desses profissionais. A legislação previdenciária brasileira, em especial as normas que tratam da aposentadoria por tempo de contribuição, reconhece e protege o direito dos professores a computarem todas as suas atividades para fins de contagem de tempo de serviço. Assim, a atuação concomitante em diferentes instituições e funções deve ser considerada para o cálculo da aposentadoria, desde que respeitadas as exigências legais para cada tipo de atividade.

O reconhecimento do tempo de serviço em atividades concomitantes

O professor que atua em mais de uma instituição ou em funções diversas dentro de um mesmo período tem direito ao reconhecimento de todo o tempo trabalhado em cada um dos vínculos. Esse direito está garantido pela legislação previdenciária, que determina que o tempo de contribuição deve ser somado, assegurando que o trabalhador não perca nenhum período de serviço na contagem para aposentadoria. Essa previsão é especialmente relevante para os professores que, historicamente, enfrentam jornadas longas e múltiplos vínculos empregatícios, muitas vezes em instituições com regimes de contratação diferentes.

É importante destacar que, ao longo dos anos, o regime previdenciário passou por diversas reformas, que modificaram as regras de aposentadoria de várias categorias profissionais. No entanto, o professor permanece com regras diferenciadas e mais benéficas, justamente por conta da relevância e da peculiaridade de sua função social. Isso se reflete, por exemplo, na possibilidade de aposentadoria com menos tempo de contribuição em comparação a outras categorias. Todavia, a aposentadoria do professor que acumula atividades concomitantes pode envolver particularidades e desafios adicionais, especialmente no que se refere ao cálculo correto das contribuições.

A soma das contribuições: garantindo o valor adequado do benefício

Além do reconhecimento do tempo de serviço, um aspecto fundamental para os professores que acumulam atividades é a forma como as contribuições previdenciárias são consideradas no cálculo do benefício de aposentadoria. A lei previdenciária assegura que todas as contribuições realizadas em cada vínculo empregatício sejam somadas no momento do cálculo do valor da aposentadoria. Isso significa que, se o professor contribuiu ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por diferentes vínculos empregatícios, todos esses valores deverão ser levados em conta para compor o benefício final.

Contudo, na prática, o INSS nem sempre aplica essa regra de maneira adequada. Em muitos casos, a administração previdenciária não soma corretamente as contribuições provenientes de vínculos concomitantes, resultando em um valor de benefício inferior ao que o professor teria direito. Isso ocorre, principalmente, porque o sistema previdenciário pode, equivocadamente, desconsiderar parte das contribuições, tratando-as como secundárias ou menores, quando, na verdade, todas devem ser integralmente incluídas no cálculo final.

Essa situação, infelizmente, é comum entre os professores que acumulam cargos e funções. A não inclusão adequada das contribuições gera prejuízos financeiros significativos, impactando diretamente na renda mensal do aposentado. Nesse sentido, é indispensável que o professor, ao se aposentar, esteja atento ao cálculo do benefício e, se necessário, busque assistência jurídica para revisar e, se for o caso, contestar a decisão administrativa do INSS.

A importância de uma revisão cuidadosa e do planejamento previdenciário

É imprescindível que o professor, ao longo de sua carreira, mantenha um planejamento previdenciário detalhado e adequado à sua realidade de múltiplos vínculos. O acompanhamento regular das contribuições feitas ao INSS é essencial para garantir que, no momento da aposentadoria, não haja surpresas desagradáveis. O ideal é que o professor consulte periodicamente seu extrato previdenciário (CNIS), verificando se todas as suas atividades estão sendo corretamente registradas e se as contribuições estão sendo feitas nos valores devidos.

No momento de requerer a aposentadoria, o acompanhamento jurídico especializado pode fazer a diferença. Advogados com experiência na área previdenciária são capazes de identificar eventuais inconsistências no cálculo do benefício, bem como propor as medidas necessárias para corrigir erros e garantir que o valor da aposentadoria seja justo e compatível com o histórico contributivo do professor.

Nos casos em que o INSS não considera adequadamente as contribuições realizadas em atividades concomitantes, a intervenção jurídica pode ser feita por meio de pedidos administrativos ou, quando necessário, ações judiciais, com o objetivo de retificar o cálculo e assegurar que o valor da aposentadoria reflita a totalidade das contribuições realizadas.

Considerações Finais

O acúmulo de funções e cargos é uma realidade para grande parte dos professores, e esse cenário deve ser considerado com atenção no momento da aposentadoria. O correto reconhecimento do tempo de serviço e a soma das contribuições previdenciárias realizadas em múltiplos vínculos são direitos garantidos pela legislação, mas, na prática, o INSS nem sempre os aplica de forma justa.

Assim, é fundamental que o professor fique atento ao cálculo do benefício e, se necessário, busque seu sindicato para orientação especializada para garantir que sua aposentadoria seja concedida no valor correto. O direito ao benefício justo é uma conquista que deve ser resguardada, e a assistência jurídica é um instrumento indispensável para assegurar que os direitos previdenciários sejam plenamente respeitados.

Marcela Frare é advogada previdenciarista, sócia do Escritório Cainelli Advogados

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