OPINIÃO

Quando a máfia assume a economia

Por Anelise Manganelli / Publicado em 1 de novembro de 2021
Recentemente tanto o presidente do Banco Central, Eduardo Campos Neto, quanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, foram nominados em lista de donos de empresas de offshore e estariam se beneficiando com a alta do dólar

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Recentemente tanto o presidente do Banco Central, Eduardo Campos Neto, quanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, foram nominados em lista de donos de empresas de offshore nas Ilhas Virgens e estariam se beneficiando com a alta do dólar

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Só em 2021, a Petrobras reajustou os preços da gasolina 15 vezes e do diesel 12 – o aumento da gasolina na refinaria já acumula no ano 74% e do diesel 64,7%. A pressão dos combustíveis na inflação é dobrada, porque não impacta apenas na hora de abastecer, mas também produtos e serviços pagos, como frete, passagens e alimentos. O INPC/IBGE no acumulado de 12 meses, até setembro de 2021, fechou em 10,78%. Os alimentos não param de subir – a cesta básica, calculada pelo Dieese, em Porto Alegre, aumentou 21,6%, mas a sensação no orçamento é de que esse índice é ainda maior.

A Taxa de desemprego que registrou leve queda com a última divulgação da PNAD/ IBGE (passando de 14,4% para 13,2%), revela cenário dramático para o mercado de trabalho, considerando que: 1. a pesquisa do IBGE mostra que as ocupações que registraram maior crescimento foram justamente as de inserção mais precária, como emprego doméstico e empregados no setor privado, ambos sem carteira, e, crescimento daqueles que trabalham por conta própria; 2. foi observada uma queda generalizada no rendimento real, ou seja, trabalhador do setor público, do privado, doméstico, conta própria, na média, tiveram uma redução no seu rendimento de 10,2% nos últimos 12 meses; 3. isso, sem considerar o efeito da taxa de participação sobre as estatísticas.

Se a taxa de participação (pessoas na busca ativa por trabalho) não tivesse caído (porque muitas pessoas deixaram de procurar emprego durante a pandemia), a taxa de desemprego estaria em torno de 20%, e, portanto, a preocupação hoje, precisa ser empregar 20 milhões de pessoas e não 13 mi.

Gastar mais, consumindo igual

Trabalhar com uma renda menor tem impacto direto na vida das pessoas, pois a sensação que se tem é de “gastar mais, consumindo igual”. Estar entre os que menos ganham, significa inflação maior, uma vez que na sua cesta de consumo participam mais produtos que registram maiores aumentos, como o caso dos alimentos. Além disso, a inflação não mede, por exemplo, despesas com taxas de juros de cartão de crédito, financiamento -, endividamento que cresceu na pandemia – um conjunto de ocorrências que impactam  direto no bolso.

Trabalhadores no setor de serviços são os que estão com a maior dificuldade em conseguir reposição, sendo esse o setor que mais emprega no Brasil. De acordo com o acompanhamento das negociações salariais, organizado pelo Dieese, de 2020 para cá 61,1% dos trabalhadores não têm conseguido repor a inflação, na indústria 36,4%, comércio 33,8%.

Quanto mais inflação, maior é a dificuldade na negociação entre trabalhador e empregador. Mesmo que inflação fosse zero a maioria dos brasileiros já teria grande dificuldade para fazer frente ao custo de vida, com o quadro atual a situação fica mais grave. Afinal de contas, o salário-mínimo necessário, calculado pelo Dieese, deveria ser equivalente a R$ 5.657,66, valor que corresponde a 5,14 vezes o piso nacional atual, de R$ 1.100,00.

Inflação, desemprego e a fila do osso

Ossos sendo distribuídos às populações mais pobres o município de Bonito (MS)

Foto: Prefeitura Municipal de Bonito (MS)/Divulgação

Ossos sendo distribuídos às populações mais pobres o município de Bonito (MS). A “fila do osso” tem se popularizado em várias cidades brasileiras

Foto: Prefeitura Municipal de Bonito (MS)/Divulgação

A combinação de inflação alta e desemprego é desumana. Fila do osso, famílias inteiras vivendo nas calçadas, mães vasculhando comida no caminhão de lixo – em um país onde o agronegócio pesa mais de um quarto do PIB, como isso é possível?

A equipe econômica vem defendendo que precisa aumentar o juro para combater a inflação. No último anúncio do Banco Central no dia 27 de outubro novamente a taxa Selic foi elevada, atingindo 7,75% ao ano. Aumentar a Selic significa encarecer os custos do crédito, fazendo com que  empresas e consumidores gastem menos (redução no consumo), os financiamentos ficam ainda mais caros e estimula a poupar – dinheiro sendo remunerado a uma taxa de juros maior. Resultado: esfria a economia, dificulta retomada nos investimentos produtivos e, por sua vez, a geração de emprego.

É uma medida que não tem resultado imediato e no contexto atual é completamente equivocada, pois o consumo está estagnado, não se trata de uma inflação de demanda e, sim, de custos.

A inflação cresce sob influência da pandemia (que afetou os arranjos produtivos); commodities caras (soja, petróleo, trigo, milho, minério de ferro) – que se desdobram por toda a cadeia de formação de preço; alta nos preços administrados (como tarifa de energia); e dólar caro – o real perdeu valor em relação ao dólar, produtos e insumos importados ficaram mais caros, e tudo isso é repassado para os preços, empurrando a inflação para cima.

Bom para estrangeiros

O governo aposta que juros mais altos tornam o investimento na renda fixa mais atraente para os estrangeiros. Na teoria isso faz com que tenhamos uma maior entrada de dólares no país, a moeda estadunidense torna-se abundante no mercado e seu preço tende a cair.  Contudo, o custo disso é alto, elevar juros significa também aumentar a despesa pública – o gasto anual, só com juros da dívida, gira em torno de 5% do PIB.

Isso significa transferir mais dinheiro ao setor financeiro, que é quem detém títulos da dívida pública. A Instituição Fiscal Independente (IFI) tem estudo indicando que ao elevar a Selic em 1% corresponde a R$ 53 bilhões a mais no pagamento de juros. Ou seja, só com o último anúncio do aumento da Selic, 75 bilhões de reais do contribuinte foram para o bolso dos magnatas, no ano já ultrapassa 200 bilhões de despesa adicional, e sem qualquer contratempo, afinal de contas, o teto de gastos, exclui os gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública.

Por outro lado, o Auxílio Brasil – programa que vai substituir o Bolsa Família, enfrentou longa resistência em função do teto, isso que se trata de valor inferior ao custo de uma cesta básica individual e, no agregado, se chegar a 14,6 milhões de famílias, custará menos de 70 bilhões/ano.

Embora não seja novidade para quem já enxergou o caráter dos setores dominantes brasileiros, essa semana a imprensa divulgou áudio que demonstra o absurdo conflito de interesses – quando o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto,  solicita aconselhamento com dono de banco que ganha dinheiro com determinação e flutuação da taxa Selic – determinada pelo Bacen.

Repasse aos rentistas

A opção adotada pela máfia que está no comando é desaquecer a economia, levar o PIB de 2022 a zero, dificultar a geração de emprego e repassar recursos aos rentistas. Isso tendo a opção de fazer política fiscal – já que toda vez que o governo faz um gasto público, isso se transforma em renda para quem recebe esse gasto, uma empreiteira, um professor ou um policial.

O governo tem a possibilidade de atuar na inflação dos combustíveis recuando da absurda Política de Preços de Paridade de Importação (PPI), mas opta por mantê-la garantindo lucro recorde para Petrobrás fazendo a alegria dos acionistas. Em 2021 foi distribuído lucro de 63 bilhões (23 bi destinado para grupos de controle – governo federal, BNDES; 26 bi para investidores não brasileiros e 14 bi para investidores brasileiros), com gasolina a R$ 8 reais para o povo e tendência de aumento. Enquanto uns choram, outros vendem lenço!

Assim, poderia também atenuar a insegurança alimentar, inflação dos alimentos, com restaurantes populares, compras institucionais que não vem sendo cumpridas, mercados alimentares populares, remodelagem do Programa de alimentação do trabalhador (PAT), controle de estoques públicos de alimentos para momentos de escassez, via Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), e tantas outras iniciativas, mas, claramente, renunciou a qualquer alternativa em nome dos interesses que representa.

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