POLÍTICA

Bolsonaro é investigado pelo TSE após denúncia de Caixa 2

Juristas apontam inelegibilidade. WhatsApp notifica e cancela contas de agências que participaram de esquema milionário para difamar Haddad
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 19 de outubro de 2018
Haddad, no Clube de Engenharia, no Rio: “É uma justiça analógica para lidar com problemas que são virtuais, um crime eleitoral cometido na forma de um tsunami cibernético”

Foto: Ricardo Stuckert/ Divulgação

Haddad, no Clube de Engenharia, no Rio: “É uma justiça analógica para lidar com problemas que são virtuais, um crime eleitoral cometido na forma de um tsunami cibernético”

Foto: Ricardo Stuckert/ Divulgação

 

Setores que apostam no funcionamento das instituições brasileiras acordaram de ressaca na manhã desta sexta-feira, 19, após a denúncia, feita ontem, 18, pelo jornal Folha de São Paulo, do esquema de financiamento ilegal da campanha de Jair Bolsonaro, candidato do PSL à presidência da República, em milhares de correntes de WhatsApp. Mesmo com a #Caixa2doBolsonaro ter assumido a primeira posição dos assuntos mais citados no Twitter mundial, liderando o ranking do chamado Trending Topics da plataforma por mais de dez horas, grande parte da população brasileira praticamente não ouviu ou viu nada nas emissoras de rádios e tevês do país nas dimensões de um grande escândalo estourado por um dos seus principais jornais. Da mesma forma, a ação da Justiça Eleitoral, que prometeu na gestão do ministro Luiz Fux atuar de forma vigorosa contra as fake news, acabou em uma piada que circula nas redes, tornando-se mais uma notícia falsa. Bolsonaro é investigado pelo TSE a pedido da coligação que sustenta a campanha de Fernando Haddad (PT) à presidência. A ação requer a cassação do registro de Bolsonaro e que ele seja declarado inelegível por oito anos.

Ao participar de um debate no Clube de Engenharia, no Rio de Janeiro, Haddad afirmou que a Justiça Eleitoral é analógica e está demorando para dar uma resposta ao que caracterizou como crime eleitoral cometido na forma de um “tsunami cibernético”.

“É uma justiça analógica para lidar com problemas que são virtuais. O que aconteceu no final do primeiro turno já é muito grave, não pelo fato de a campanha presidencial ter sido influenciada, mas dos muitos parlamentares do novo Congresso, uma parte foi eleita com base nessa emissão de mensagens em massa pelo WhatsApp. Santinhos foram distribuídos em massa, isso custou dinheiro e o dinheiro não foi declarado”, apontou.

Bolsonaro visita a sede da Superintendência da Polícia Federal, no centro do Rio

Foto: Tania Rêgo/ ABr

Bolsonaro visita a sede da Superintendência da Polícia Federal, no Rio

Foto: Tania Rêgo/ ABr

A incerteza dos rumos que serão dados pela justiça eleitoral e pelos meios de comunicação ao escândalo se manifestou ontem nos mais variados sites de noticias. Para exemplificar o bate-cabeças, enquanto o portal Poder 360, do jornalista Fernando Rodrigues, noticiava que o Ministério Público Eleitoral (MPE) iria apurar a “suspeita de doações ilegais à campanha de Bolsonaro”, o GGN do não menos experiente Luis Nassif afirmava o contrário. A dúvida que paira no ar, entre encontros e desencontros, deverá ser dirimida na coletiva de imprensa que a presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Rosa Weber, deverá conceder domingo.

Inicialmente prevista para esta sexta-feira, 19, a coletiva de imprensa para responder aos questionamentos levantados nessas eleições e apresentar “as medidas institucionais a serem adotadas” foi transferida para o domingo, 21, no auditório do TSE, em Brasília.

Já o WhatsApp, com sede na Califórnia, Estados Unidos, conseguiu agir mais rápido do que o judiciário nacional, bem como outras instituições. Na manhã desta sexta-feira, 19, a empresa norte-americana enviou notificação extrajudicial para as agências Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMS Market, determinando o cancelamento de envio de mensagens em massa e a utilização de números de celulares conseguidos via internet, que as empresas usavam para aumentar o alcance dos grupos que administrava na rede social. O WhatsApp ainda baniu as contas associadas a essas agências em sua plataforma.

Em nota, o WhatsApp informou que usa tecnologia de ponta para detectar contas com comportamento anormal para que elas não possam ser usadas para espalhar mensagens de spam e que está tomando medidas legais para impedir que empresas façam envio maciço de mensagens no WhatsApp. “Já banimos as contas associadas a estas empresas”, informou em nota em referência às agências que conforme a denúncia da Folha de São Paulo integravam o esquema de apoio a Bolsonaro.

A nota emitida pelo WhatsApp ainda deixa claro que o comportamento das empresas excluídas fere as suas regras. A agência AM4, contratada pela campanha de Jair Bolsonaro, entre outras, estão ainda sendo investigadas pela rede social e deverão ser notificadas caso sejam comprovadas as irregularidades apontadas pela reportagem da Folha de São Paulo.

O envio em massa de mensagens eleitorais não é ilegal no Brasil, desde que sejam usadas bases de usuários dos próprios candidatos. Burlando a legislação, várias agências digitais venderam bases de usuários de terceiros, segmentando públicos por perfil e região. O caso denunciado pela Folha, no entanto, tornou mais grave o caso.

A formação de um pool de empresários para a compra de disparos em massa de mensagens de WhatsApp com material focado em prejudicar o Partido dos Trabalhadores e a imagem do seu candidato, Fernando Haddad, por até R$ 12 milhões por contrato, caracteriza doação de empresas, algo terminantemente proibido na atual legislação eleitoral brasileira.

Juristas apontam saia-justa

Carolina Lobo, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MG: “temos dois ilícitos, propaganda irregular e recebimento de doação de fonte vedada”

Foto: Divulgação

Carolina Lobo, da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/MG: “temos dois ilícitos, propaganda irregular e recebimento de doação de fonte vedada”

Foto: Divulgação

Segundo Carolina Lobo, especialista em direito eleitoral, a legislação é muito clara e não deixa dúvidas: “proíbe expressamente o recebimento direto ou indireto de doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de entidade estrangeira”. Para a advogada, que integra a Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB/MG), caso acabe sendo encontrada no pool de empresas denunciado pelo jornal paulista alguma de origem estrangeira “então temos dois ilícitos, propaganda irregular e recebimento de doação de fonte vedada”, declara.

Caso semelhante ao apontado por Carolina Lobo foi denunciado pelo Extra Classe no último dia 5 de outubro, praticamente às vésperas da votação do primeiro turno. O braço brasileiro da inglesa Blasting News, plataforma de jornalismo digital com presença em 35 países e nos cinco continentes, realizou estímulos aos seus leitores no Brasil para clicar em espaço destinado a Jair Bolsonaro, único candidato à presidência que conta com canal específico no veículo.

Carolina Lobo afirma ainda que a justificativa de Bolsonaro, que alega não ter controle sobre seus apoiadores, não o deixa em situação favorável, como ele espera. No âmbito eleitoral, diferente da seara criminal, prevalece a responsabilidade solidária entre candidato e adeptos da propaganda irregular e cabe ao candidato comprovar que não obteve benefício com o ato irregular. “Ainda que ele não tenha dado causa ao ilícito, se beneficiou da publicidade”, explica.

Além da propaganda irregular, se ficar comprovada a existência dos contratos denunciados, Bolsonaro poderá também ser condenado por abuso de poder econômico. A advogada reafirma: “ainda que o candidato não tenha contratado o serviço irregular de envio de mensagens, se ficar constatado o benefício da propaganda para sua campanha, poderá ser punido solidariamente”.

Na mesma linha explicada por Carolina Lobo, a agência de notícias Reuters distribuiu matéria para toda a sua base internacional informando que ouviu juristas que foram taxativos ao afirmar que, confirmadas as informações reveladas pela Folha de São Paulo, a campanha do candidato do PSL pode ser acusada de abuso de poder econômico, abuso do uso de meios de comunicação e omissão de doações de campanha,  podendo acabar com a impugnação da chapa, mesmo que Bolsonaro não soubesse da ação de empresários a seu favor. “Se confirmada, a prática pode configurar abuso de poder econômico, levando à inelegibilidade nessa própria eleição. A jurisprudência diz que, mesmo que não tenha sido ele ou a campanha, a candidatura pode responder pelo ilícito”, ressalta Daniel Falcão, coordenador do curso de pós-graduação em Direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público.

INDICIAMENTO – A Polícia Federal indiciou na manhã desta quinta-feira, 19, uma educadora física por crimes eleitorais, pela divulgação de conteúdo falso em redes sociais. No vídeo publicado, ela relata o envio de urnas eletrônicas fraudadas para o Nordeste e responsabiliza o governo federal por suposta fraude no atual processo eleitoral. O inquérito foi instaurado pela Polícia Federal no mesmo dia, por requisição do Tribunal Regional Eleitoral da 4ª Região. A autora do vídeo foi identificada por meio de diligências e indiciada por “divulgar, na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado” e “caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime”, como previsto nos artigos 324 e 325 do Código Eleitoral, com pena de três anos de detenção. A pena ainda pode ser aumentada em um terço, de acordo com o a artigo 327, III, em razão da utilização de redes sociais para divulgação do conteúdo falso.

Morte do jornalismo nacional

Se a inglesa Reuters e outras agências de notícias internacionais no Brasil deram cobertura importante à denúncia feita pela Folha de São Paulo, o mesmo não pode ser dito dos veículos de comunicação brasileiros, mesmo a presidente do TSE tendo chamado uma coletiva ainda antes do fechamento editorial dos principais veículos de comunicação do país. Chama mais a atenção pela presença de peso que estará na bancada à disposição da curiosidade dos jornalistas: a própria presidente do TSE, o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann; o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI), general Sérgio Etchegoyen; a procuradora-geral da República, Raquel Dodge; a advogada-geral da União, Grace Mendonça; e o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Rogério Galloro,

ZAPGATE – O jornalista gaúcho Demétrio Soster, professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Mestrado e Doutorado em Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), ironiza que “antigamente, em jornalismo, existia uma coisa chamada suite”. Explicando “para leigos” que suite é uma ação jornalística que ao surgir no horizonte da cobertura jornalística um assunto relevante – caso do escândalo #Caixa2doBolsonaro, por exemplo –, toda a imprensa deveria correr atrás, imediatamente, no dia seguinte, e nos posteriores, para cobrir o desdobramento das denúncias.

“Cada um a seu modo, os grandes jornais, nacionalmente; os locais, regionalmente; mas todo mundo ‘suitando’, explica Soster ao lembrar que  foi assim, por meio de suítes, que os jornalistas norte-americanos Bob Woodward e Carl Bernstein, do The Whashington Post, provocaram a renúncia de Richard Nixon, então candidato à reeleição nos Estados Unidos no escândalo conhecido como “Watergate”.

“Achei que, desde ontem, todo mundo cobriria, desde a capa, chamada principal, considerando os jornais impressos e os eletrônicos, o escândalo #Caixa2doBolsonaro, mas, pelo visto, o esforço, quando há, parece ser para diminuir o ocorrido, como se não fosse nada demais”, lamenta o professor.

PT pede impugnação da candidatura e inelegibilidade

Ministro Jorge Mussi (D) será o relator da investigação no TSE

Foto: Roberto Jayme/ Ascom/TSE

Ministro Jorge Mussi (D) será o relator da investigação no TSE

Foto: Roberto Jayme/ Ascom/TSE

A coligação que sustenta a candidatura de Fernando Haddad (PT) à presidência da República e o PSol entraram com pedidos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para que a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) seja investigada em razão das suspeitas de uso de sistemas de envio de mensagens em massa na plataforma WhatsApp custeados por empresas de apoiadores do candidato. Na ação, a coligação de Haddad argumenta que há indícios de condutas que podem incorrer em três crimes eleitorais. A primeira é a doação de pessoa jurídica (popularmente conhecida como caixa 2), proibida no pleito deste ano depois do financiamento empresarial ter sido retirado como alternativa pela reforma política aprovada em 2017.

O segundo crime seria a utilização de perfis falsos para propaganda eleitoral. Outro seria a compra irregular de cadastros de usuários, o que fere a proteção de dados prevista no Marco Civil da Internet (12.965/2014). Os advogados de Haddad afirmam que se trata de um “evidente caso de abuso econômico”.

A ação requer a cassação do registro de Bolsonaro e que ele seja declarado inelegível por oito anos. Os advogados pedem também que a Justiça Eleitoral dê ao Whatsapp 24 horas para promover um plano de contingência que bloqueie o envio das mensagens em massa pelas firmas de comunicação digital citadas na reportagem.

Por fim, o documento solicita a busca e apreensão de documentos na sede da rede varejista Havan e na casa de seu dono, Luciano Hang, cópia da documentação contábil e financeira e quebra de sigilo telefônico e bancário do empresário para averiguar a relação dele com empresas de comunicação digital e com a campanha de Bolsonaro.

Pelo Twitter, Bolsonaro afirmou que não tem controle sobre apoios voluntários e que o PT não está sendo prejudicado por fake news, mas pela “verdade”. Em seu perfil no Facebook, Luciano Hang disse que vai processar a Folha de S.Paulo e desafiou o jornal a mostrar os contratos de envio de mensagens em massa.

Na ação, a coligação de Haddad argumenta que há indícios de condutas que podem incorrer em três crimes eleitorais. A primeira é a doação de pessoa jurídica (popularmente conhecida como caixa 2), proibida no pleito deste ano depois do financiamento empresarial ter sido retirado como alternativa pela reforma política aprovada em 2017.

Imagem: Reprodução

Imagem: Reprodução

O segundo crime seria a utilização de perfis falsos para propaganda eleitoral. Outro seria a compra irregular de cadastros de usuários, o que fere a proteção de dados prevista no Marco Civil da Internet (12.965/2014). Os advogados de Haddad afirmam que se trata de um “evidente caso de abuso econômico”.

A ação requer a cassação do registro de Bolsonaro e que ele seja declarado inelegível por oito anos. Os advogados pedem também que a Justiça Eleitoral dê ao Whats App 24 horas para promover um plano de contingência que bloqueie o envio das mensagens em massa pelas firmas de comunicação digital citadas na reportagem.

Por fim, o documento solicita a busca e apreensão de documentos na sede da rede varejista Havan e na casa de seu dono, Luciano Hang, cópia da documentação contábil e financeira e quebra de sigilo telefônico e bancário do empresário para averiguar a relação dele com empresas de comunicação digital e com a campanha de Bolsonaro.

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