SAÚDE

Região Sul tem mais óbitos por câncer de próstata do que a média nacional

Especialistas apontam que há relação entre elevada expectativa de vida e a incidência da doença, além dos hábitos e comportamento
Por Gabriel M. Ferri, Karolina Bley, Lucas Alves, Marília Port, Matheus Vargas e Matheus Ramos / Publicado em 27 de abril de 2022
Região sul tem mais óbitos por câncer de próstata do que a média nacional

Foto: Marcio James/Semcom/Fotos Públicas

A campanha Novembro Azul tem como objetivo conscientizar sobre o câncer de próstata

Foto: Marcio James/Semcom/Fotos Públicas

O cruzamento de dados feito pela reportagem mostra que os homens deveriam estar mais atentos ao câncer de próstata, especialmente os da região sul. Em 2019, a média nacional de óbitos por câncer de próstata foi de 7,61 para cada 100 mil habitantes, enquanto que o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, juntos, tiveram uma média de 8,87, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

O Google Trends, plataforma do Google para análise de termos e assuntos mais pesquisados no mundo, mostra que o Novembro Azul foi efetivo para a conscientização, pois tem sido o mês em que as pesquisas sobre câncer de próstata aumentam significativamente no Brasil. A principal questão relacionada a esse tema diz respeito aos sintomas. Já o tratamento corresponde à segunda pesquisa mais feita, e a pergunta “o que é câncer de próstata?” aparece em seguida.

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Gráfico: Gabriel M. Ferri

Linha vermelha representa pesquisas por câncer de mama, e linha azul representa as pesquisas por câncer de próstata no Brasil, nos últimos cinco anos

Gráfico: Gabriel M. Ferri

Lançada no Brasil, em 2011, pelo Instituto Lado a Lado pela Vida, a campanha Novembro Azul é um alerta sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. O câncer de próstata é o segundo com a maior letalidade na população masculina brasileira (13,24%) ficando somente atrás do câncer de brônquios e pulmão, com 13,94%, conforme dados do Instituto Nacional do Câncer — INCA , de 2019.

Porém, ao comparar as buscas sobre o câncer de próstata e câncer de mama nos últimos cinco anos, é possível ver que o segundo ainda é o mais pesquisado em todos os meses do ano. No mês de outubro há o pico, por causa da campanha de conscientização e prevenção ao câncer de mama. Entre os dias 15 e 21 de novembro de 2020, pleno mês do Novembro Azul, por exemplo, houve mais pesquisas relacionadas ao câncer de mama do que ao câncer de próstata no país.

Até a finalização desta reportagem, que ocorreu durante o Novembro Azul, os últimos dados parciais da plataforma, de 7 a 13 de novembro de 2021, também mostravam que o câncer de mama está sendo mais procurado que o câncer de próstata.

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Gráfico: Karolina Bley

Tipos de cânceres que mais matam os homens no Brasil

Gráfico: Karolina Bley

 

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Gráfico: Karolina Bley

Óbitos por câncer de próstata no Brasil em 2019

Gráfico: Karolina Bley

Para a urologista e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia da seção estadual do Rio Grande do Sul — SBU/RS, Karin Jaeger Anzolch, não há uma explicação única ou óbvia para esse número elevado de mortes no sul do país. “Dentre as possíveis razões, poderíamos inferir as diferenças regionais em relação às notificações das doenças, ao acesso aos exames e tratamentos, bem como a maior expectativa de vida, já que o câncer de próstata é uma doença que tipicamente vai aumentando a incidência com a idade”, explica a médica.

Segundo dados de 2020 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, publicados no Diário Oficial da União, a média nacional de expectativa de vida é de 76,6 anos. Os três estados da região sul possuem média maior que a nacional, juntamente com Espírito Santo, São Paulo, Distrito Federal, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O Paraná possui a sétima maior expectativa de vida do país, com uma média de 77,9 anos, e o Rio Grande do Sul está com a quinta maior média, com 78,5 anos. Já Santa Catarina é o estado de maior expectativa de vida nacional, com 79,9 anos.

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Gráfico: Karolina Bley

Expectativa de vida do brasileiro

Gráfico: Karolina Bley

Fatores genéticos

A vice-presidente da SBU/RS também afirma que é possível que existam fatores genéticos, ambientais e comportamentais presentes na região sul, enraizados nos hábitos e cultura, que podem ter influência na alta taxa de mortalidade por câncer de próstata. “Estudos demonstram, por exemplo, que fatores alimentares, como o consumo de gordura animal, especialmente a proveniente da carne vermelha, poderiam ter impacto negativo na saúde prostática, e sabemos que faz parte da nossa tradição a alta ingestão desse tipo de alimento”, aponta a médica que possui doutorado em cirurgia.

Nos estudos citados pela urologista, alguns alimentos e fatores externos se mostraram positivos no auxílio da prevenção do câncer de próstata, como frutos vermelhos, derivados da soja e exposição ao sol. Porém, a especialista ressalta: “Apesar disso tudo, são apenas conjecturas, já que ainda não há conclusões definitivas sobre o assunto. De toda a forma, fica o alerta, especialmente quando envolve condições que são modificáveis nos nossos hábitos”.

Como citado por Karin Jaeger Anzolch, há uma relação entre a elevada expectativa de vida na região sul e a maior taxa de mortalidade por câncer de próstata. De acordo com os dados do INCA, a maior incidência de notificação de óbitos está na faixa dos 80 anos ou mais. Mas, há também um grande contingente na faixa dos 70 anos.

É a partir da faixa etária dos 50 anos que existe uma maior incidência de diagnósticos de câncer de próstata, e conforme a faixa etária aumenta, as chances de desenvolvimento do câncer são maiores. Os exames preventivos são indicados, já que nas fases iniciais a doença não apresenta muitos sintomas.

Segundo a Sociedade Brasileira de Urologia, quando o câncer de próstata é descoberto em estágio inicial e ainda sem sintomas, há 90% de chance de cura. Já quando os sintomas aparecem, em 95% dos casos o câncer já está avançado, sendo mais difícil a cura.

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Mortalidade de homens por câncer de próstata no Brasil, por faixa etária, de 1979 a 2019

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Estados com maior mortalidade a cada 100 mil habitantes, por faixa etária

Gráfico: Karolina Bley

Alerta para a faixa próxima aos 70 anos

Dados do DataSUS mostram que a maior incidência de diagnósticos, desde de 2018, vêm sendo em homens na faixa etária entre 65 e 69 anos. Hermogenes de Campos Stann tinha 69 anos quando recebeu seu diagnóstico em 2019, se somando aos outros 27.700 diagnósticos da doença nos últimos quatro anos. O exame que detectou o possível problema foi o PSA, Antígeno Prostático Específico, realizado a partir do exame de sangue.

Após a constatação da existência de um nódulo na próstata, ele realizou a cirurgia para remoção do tumor em abril de 2020, na Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, onde também faz todo o seu tratamento, por meio do SUS.

Apesar de alegar que a parte do atendimento foi positiva e satisfatória, Stann relata que sofre com as sequelas. Hoje, o paciente convive com frequentes dores nos ossos, principalmente nas pernas, e por conta disso faz fisioterapia pelo SUS. Além disso, padece com a incontinência urinária que se iniciou durante o tratamento.

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Gráfico: Gabriel M. Ferri

Diagnósticos de câncer de próstata por faixa etária no Brasil

Gráfico: Gabriel M. Ferri

Segundo a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia, quando eventualmente se verificam sequelas, como descontrole urinário e/ou disfunção sexual, ainda há uma gama muito grande de tratamentos para oferecer, desde a fisioterapia, uso de medicações orais ou injetáveis, além de procedimentos cirúrgicos, como a colocação de um esfíncter artificial ou prótese peniana.

“Nós, que temos acompanhado essa doença há pelo menos três décadas, temos visto o grande avanço que ocorreu desde o surgimento do exame de sangue, o PSA, que auxilia no diagnóstico precoce junto com o toque retal, bem como o refinamento progressivo que as técnicas cirúrgicas e os tratamentos como a radioterapia e os medicamentos relacionados têm sofrido, e que seguem em evolução”, comenta a especialista.

O preconceito contra o exame é fator de risco

A questão comportamental dos homens também é um fator importante no diagnóstico tardio e já avançado do tumor. O preconceito na realização de exames na próstata, principalmente quando se trata do exame de toque retal, dificulta o processo de tratamento e cura. Dados da SBU mostram que é no toque retal que quase 20% dos pacientes são diagnosticados com câncer.

Existem também casos em que o paciente sente vergonha de revelar à conhecidos o diagnóstico de câncer de próstata. Foi o caso de Pedro Carpes, pai de Eloí Carpes, morador de Montenegro. O filho conta que o pai escondeu da família os resultados dos exames e se recusou a fazer o tratamento. Acabou falecendo duas semanas após a família ficar sabendo do diagnóstico, há 17 anos.

O filho fez diferente. Em abril de 2021, Eloí, atualmente com 61 anos, sentiu-se mal durante o trabalho, e por já ter histórico familiar, correu para fazer exames de sangue que mostraram alterações no hemograma.

Após a realização de duas biópsias, constatou-se estágio inicial de câncer de próstata. A cirurgia para a retirada do tumor foi feita no Centro de Câncer Oncologia Centenário, em São Leopoldo, no Vale dos Sinos. O montenegrense citou certo desconforto no tratamento, pelo uso de sonda, devido à cirurgia. O fato da radioterapia ter que ser feita em uma cidade a 40 km de distância de onde mora, aumenta o incômodo.

Do ponto de ônibus, enfrenta uma caminhada de quase dois quilômetros ao Hospital Centenário, onde realiza o tratamento pelo SUS. No momento da entrevista, Eloí já havia comparecido a nove sessões de radioterapia. Até o fechamento da reportagem, ele concluiu todas as sessões no Hospital Centenário.

O impacto da pandemia nos diagnósticos 

De acordo com o Radar do Câncer houve uma queda considerável no número de exames de prevenção desse tipo de câncer de 2019 para 2020, ano de início da pandemia de Covid-19. Segundo dados obtidos pela Sociedade Brasileira de Urologia junto ao Ministério da Saúde, em 2019 foram realizadas 40.408 biópsias de próstata no Brasil.

Já em 2020, foram 31.888. Esses dados representam uma queda de 21% de um ano para o outro. Quanto ao número de PSA’s, houve uma queda de 26,8%. Em 2019, foram realizados 5.738.426, enquanto em 2020 foram 4.199.176.

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Foto: Pedro Guerreiro | Ag. Pará | Fotos Públicas

Durante a pandemia, houve diminuição na procura por exames na próstata

Foto: Pedro Guerreiro | Ag. Pará | Fotos Públicas

Para o chefe interino do Serviço de Urologia do Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre, Daniel Melecchi, a pandemia realmente foi um fator importante nessa queda dos números de exames relacionados à próstata.

“Os ambulatórios e os próprios pacientes evitaram buscar os atendimentos hospitalares e até mesmo nas unidades básicas de saúde, reduzindo consideravelmente o número de encaminhamentos”, afirma Melecchi.

Os dados do Ministério da Saúde, obtidos pela SBU, mostram que houve uma queda de 33,5% de consultas com urologistas pelo SUS durante a pandemia. Em 2019, foram 4.232.293 e em 2020, 2.816.326.

Conforme dados via Lei de Acesso à Informação, fornecidos pela Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, mostram que, enquanto os diagnósticos de câncer de mama mantiveram-se na mesma média entre os dois anos comparados, com uma diminuição de apenas 125 diagnósticos de 2019 para 2020, os diagnósticos do câncer de próstata diminuíram mais da metade. No ano de 2019 foram 912 diagnósticos, enquanto em 2020 foram 406, ou seja, uma queda de 506 diagnósticos de um ano para o outro.

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Gráfico: Karolina Bley

Diagnósticos de câncer de próstata e mama no Rio Grande do Sul, tabela disponível aqui

Gráfico: Karolina Bley

A urologista Karin Jaeger Anzolch também considera a pandemia como uma das causas na diminuição de exames e diagnósticos do câncer de próstata. “Com relação ao câncer de próstata, especificamente, é bem possível que em um futuro breve observemos um impacto ainda maior em termos dos índices de cura, em função dos diagnósticos mais tardios.

O homem, que tradicionalmente já consultava menos que a mulher, e que tinha um comportamento menos preventivo, possivelmente também foi impactado mais em função disso [da pandemia]”, coloca Anzolch.

Grupos mais propícios a desenvolverem a doença

Para a Sociedade Brasileira de Urologia, é importante que a partir dos 40 anos de idade, os homens já busquem realizar exames preventivos com maior frequência e devem ficar atentos a possíveis alterações na próstata.

A SBU ressalta que pessoas de raça negra e/ou com histórico familiar de câncer de próstata, principalmente em parentes de primeiro grau, possuem maior probabilidade de desenvolver o câncer.

Portanto, essas devem iniciar seus exames para a detecção precoce a partir dos 45 anos de idade. Além do câncer ser mais frequente nesses grupos, ele também aparece de forma mais agressiva. Ainda não há explicação científica comprovada dos motivos pelos quais pessoas negras têm maior incidência de câncer de próstata do que pessoas de outras raças.

Apesar de não haver meios medicinais que impeçam os homens de desenvolverem o câncer de próstata, existem formas de diminuir as chances do aparecimento de tumores na região.

O chefe do Serviço de Urologia da Santa Casa de Porto Alegre, Ernani Rhoden, afirma que um estilo de vida saudável ajuda nesses casos: “Muito pão, muita carne, muito produto industrializado, os fast-foods… Essas são as dietas que, falando em termos de estilo de vida, estão fortemente vinculadas com o câncer de próstata.

Por outro lado, o estilo de vida que se aproxima mais de hábitos saudáveis, com frutas, legumes, vegetais, um conjunto que é antagônico ao hiperproteico e o hipercalórico, ajuda na diminuição das chances de desenvolvimento do câncer no indivíduo”.

 

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Foto: Pedro Guerreiro/Ag. Pará/Fotos Pública

Idosos e afrodescendentes são mais propensos a desenvolverem o câncer de próstata

Foto: Pedro Guerreiro/Ag. Pará/Fotos Pública

Passo a passo da prevenção 

O primeiro passo para a realização de exame na próstata pelo SUS é o agendamento de consulta com um urologista ou um clínico geral. Depois, é prescrita a realização do Antígeno Prostático Específico. É com o PSA que será constatado se há alguma alteração na próstata. Se nesse exame, de uma pessoa de qualquer idade, o resultado vier sem alterações, é bem provável que o paciente não seja portador do câncer de próstata.

Se o profissional de saúde ainda assim tiver alguma dúvida em relação ao resultado, pode haver encaminhamento para a realização de um novo exame PSA, ou a realização do exame de toque retal, que serve para identificar a possível existência de nódulos na próstata.

Caso o urologista responsável pelo paciente sinta a necessidade da realização de mais exames, o SUS também tem à disposição ecografias da região da próstata ou da bexiga. Esses exames, além de possibilitarem o diagnóstico de câncer de próstata, podem também diagnosticar outras doenças na região, como infecções.

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Foto: Marcio James/Semcom/Fotos Públicas

Homens a partir dos 45 anos precisam fazer o exame preventivo

Foto: Marcio James/Semcom/Fotos Públicas

Para o diagnóstico final, o paciente é encaminhado para a realização de uma biópsia da próstata, em que, através de uma ecografia transretal, colhem-se amostras do tecido prostático.

Essas amostras são encaminhadas para um patologista, tendo assim a verificação da existência ou não da doença. No site do INCA é possível verificar estabelecimentos de saúde no Brasil que possuem licença e estrutura para tratamento oncológico, desde exames, até cirurgias e tratamento.

*Com informações do médico urologista do Centro Médico Capilé de São Leopoldo, José Paulo Martini.

Como fizemos

Através de pesquisa realizada no Radar do Câncer, a reportagem constatou que, ao longo do ano de 2020, o número de diagnósticos do câncer de próstata pelo SUS obteve uma queda no Brasil, em relação ao ano anterior.

Após um levantamento de dados no DataSUS, percebeu-se que a Região Sul possui uma média de mortes superior a nacional. Com isso, por meio da Lei de Acesso à Informação, foi enviado um conjunto de perguntas à Secretaria de Saúde do RS, em busca de mais dados.

Depois de todos os dados reunidos, a reportagem entrevistou especialistas em urologia e pacientes que atualmente estão em tratamento no SUS por conta do câncer de próstata. Essas entrevistas complementaram e auxiliaram no entendimento dos dados obtidos.

As maiores dificuldades encontradas foram na busca por fontes vítimas que nos trouxessem as informações necessárias para “costurar” os dados encontrados com a vivência dos pacientes. Também existiu dificuldade na busca por imagens relacionadas ao Novembro Azul, que não fossem publicitárias.

 

Esta reportagem foi realizada na disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Rio do Sinos – Unisinos, sob a supervisão da professora Luciana Kraemer, no segundo semestre de 2021.

O Extra Classe e a Unisinos firmaram Termo de Cooperação, no início de 2022, para a veiculação no jornal de reportagens produzidas pelos estudantes da disciplina de Jornalismo Investigativo do curso de Jornalismo da instituição e o acompanhamento dos estudantes na produção das edições mensais impressas do Extra Classe.

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