CULTURA

Em busca do tempo perdido

Jimi Joe / Publicado em 18 de dezembro de 2001

Espaços reservados à preservação da história e cultura dos povos, os museus muitas vezes correm o risco de se tornarem, eles mesmos, “peças de museu”, esquecidos pelo poder público e sobretudo pela comunidade. Mais do que campanhas e projetos como pontos de apoio para que as pessoas visitem os museus, é de fundamental importância o entendimento de uma funcionalidade moderna para essas instituições que atenda as exigências de inclusão social e o respeito às diferenças regionais. Vai uma grande distância entre o acervo rico, devidamente catalogado e conservado, de um museu grande como o Margs, e pequenos museus implorando por cuidados extensivos no interior do Estado. Vários fatores concorrem para essas diferenças gritantes. O Margs, situado na capital, beneficia-se tanto da sua localização geográfica quanto da maior exposição naturalmente conseguida através da imprensa em decorrência de exposições e programações atraentes. A ausência de uma política nacional de museus contribui para agravar uma situação já não muito boa que é piorada pela existência de apenas dois cursos de graduação em Museologia no Brasil, insuficientes para suprir a enorme demanda nacional.

O Rio Grande do Sul, o Sistema Estadual de Museus (SEM), criado em
1991, ficou totalmente desativado por três anos durante o governo Britto. Reativado a partir de 1999, o SEM tem procurado mobilizar as cerca de 200 instituições entre museus e memoriais, tenta driblar os problemas da área implementando projetos e parcerias. Um deles, o Promuseu, envolvendo a Fapergs, o SEM e as Secretarias Estaduais da Cultura e da Ciência e Tecnologia, vai liberar verba de R$ 1 milhão para a qualificação e atualização dos museus gaúchos. É a primeira iniciativa de financiamento específico para museus no Brasil. Dados relativos ao período de 1997 a 1999 dão conta de que cada museu gaúcho tinha uma média anual de 8.732 visitantes.
Multiplicado pelo número de instituições existentes no Estado, chega-se a uma cifra anual de mais de 1,7 milhão de visitantes. Estatísticas e médias numéricas genéricas podem ser enganosas: certamente essa média de visitantes não leva em conta que boa parte dos visitantes se dirigem a museus com maior visibilidade como Margs e Memorial do Rio Grande do Sul, enquanto muitos museus do interior recebem poucos visitantes.

Para o antropólogo José do Nascimento Júnior, coordenador do Sistema Estadual de Museus, ainda há muito trabalho a fazer embora muito já tenha sido feito desde 1999, quando o SEM foi reativado. Atuando em um universo de cerca de 200 instituições entre museus e memoriais no Rio Grande do Sul, o Sistema Estadual de Museus, nos três anos desde sua reativação, tem procurado criar uma política própria centrada na atualização dos museus como instrumentos de inclusão da comunidade. Para dar maior visibilidade às instituições que se dedicam à preservação da memória no Estado, o SEM instituiu uma programação especial no mês de maio, celebrando o Mês do Museu. “O dia mundial dos museus, 18 de maio, era marcado por realizações no mundo todo. Aqui no Rio Grande do Sul, decidimos ampliar a visibilidade dos museus promovendo programações que se estendem por um mês inteiro”, diz Nascimento Júnior. “Fundamental também para que os museus se desenvolvam e superem as dificuldades que experimentam em sua manutenção”, diz ele, “é um trabalho de capacitação de pessoal a longo prazo”.

“Pela lei, todo museu deveria ter um museólogo responsável, mas o Brasil tem apenas dois cursos de Museologia, um na Bahia e outro no Rio de Janeiro. Se a lei fosse seguida à risca, teríamos de fechar 90% dos museus brasileiros”, avalia. “Há um projeto da Unisinos de criação da primeira faculdade de Museologia no Rio Grande do Sul. A UERGS, Universidade Estadual, que está surgindo em 2002, poderá também criar um curso de Museologia ou fazer uma parceria com uma universidade que já o tenha, no caso, a Unisinos que tem um projeto avançado nessa área. Nós somos favoráveis a essa parceria.”

Radiologia dos museus gaúchos

A história de um povo, sua trajetória e conquistas que transformaram ou confirmaram a linha de vida da humanidade, é reafirmada e mantida viva nos museus. Pensando nisso, o capitão Aroldo Medina e o cabo Gilnei Bueno, ambos da Brigada Militar, decidiram fazer a radiografia mais completa possível dos museus gaúchos quando lançaram a terceira edição de Museus do Rio Grande do Sul, reunindo 160 espaços históricos e 14 memoriais do Estado. A obra, inédita no país, apresenta, além de endereços, a tipologia, data de fundação, horário de visitação, acervo e outras informações relevantes.

O primeiro livro surgiu com a reinstalação do Museu da Brigada Militar no cenário gaúcho, em 1987, marcando o ingresso da corporação na Museologia. “Constatamos que os museus do Estado estavam muito dispersos, sem que o público soubesse, muitas vezes, de sua existência”, explica um dos organizadores do livro, o capitão Aroldo Medina. O major Paulo Rubens Brochado Filho idealizou a primeira edição, em 1990, como um catálogo, com nome e endereço de museus. O livreto teve surpreendente sucesso e, dois anos mais tarde, foi reeditado o Guia dos Museus do RS, já contendo nome, endereço, tipologia, tutela e atividade. Pela iniciativa, o Museu da BM começou a receber várias correspondências de incentivo e congratulações.

A terceira edição surgiu como conseqüência da constatação da falta de uma obra que retratasse o Estado e servisse como atrativo ao público, estimulando o turismo cultural. As informações foram obtidas através de questionário aplicado junto aos museus gaúchos, dando origem à obra mais completa sobre o assunto. “O livro confere visibilidade à grandeza dos museus do RS”, destaca Medina. Museus do Rio Grande do Sul sugere, também, parcerias entre museus e universidades, para que a Museologia tenha condições de se sobressair no cenário cultural brasileiro. Medina acredita ainda que o livro é uma ferramenta de trabalho para jornalistas, historiadores, professores e estudantes. “O pesquisador saberá quais documentos existem num centro histórico sem precisar visitá-lo”, explica.

Um curso regular para alimentar o mercado

Recebendo as buriladas finais, segundo a professora Heloísa Capovilla, responsável pelo projeto, o terceiro curso de bacharelado em Museologia deverá entrar em funcionamento a partir de agosto de 2002. “Toda uma rodada de leituras do projeto já foi feita em várias instâncias dentro da universidade. A idéia é de que em julho do próximo ano já tenhamos o primeiro vestibular para este novo curso”, diz ela. E acrescenta que o bacharelado em museologia vem para preencher uma grande lacuna. “Nós praticamente não temos museólogos no Rio Grande do Sul e na Região Sul do Brasil. Temos os provisionados, que, na maioria, são pessoas na faixa etária dos 60 anos, muitos já com tempo para aposentadoria.” O novo curso regular, com duração de quatro anos, de caráter multidisciplinar, terá um currículo que vai envolver diversas áreas de conhecimento. “Embora o curso de Museologia vá fica subordinado oficialmente ao Centro de Humanas, seu conteúdo será ministrado por professores de praticamente todos os demais centros da universidade, pois o currículo terá cadeiras ligadas à arquitetura, à biologia e à história, por exemplo”, informa Heloísa Capovilla.

Em termos de mercado de trabalho, ela aponta para o fato de que o novo curso indicará diversos caminhos. “Vão ser formados bacharéis que possam trabalhar nos mais variados tipos de museus, não apenas no tradicional museu de artes. Há um enorme campo de trabalho em museus de ciências, históricos, parques temáticos.” Heloísa Capovilla lembra que os egressos do Curso de Museologia também terão campo para qualificação podendo, após o bacharelado, dependendo do setor escolhido, partir para um mestrado em artes, ciências ou outra área de interesse. Embora o curso ainda nem esteja em funcionamento, ela já pensa mais além. “Não temos no Brasil nenhum mestrado ou doutorado em Museologia. O curso que está surgindo aqui pode ser um caminho para isso”. O projeto do curso de Museologia da Unisinos recebeu parecer favorável de Rosana Nascimento, diretora do curso que existe na Universidade da Bahia.

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