ECONOMIA

Medida Provisória do teletrabalho amplia precarização de direitos dos trabalhadores

Regulamentação do teletrabalho amplia limites da carga e da jornada, fragiliza acordos coletivos e afasta cada vez mais o trabalhador do direito à desconexão
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de abril de 2022

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Teletrabalho, home office ou trabalho remoto: não importa o nome, os trabalhadores sempre perdem

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

O trabalhador e a trabalhadora podem ser importunados a qualquer hora por meio eletrônico, seja por celular, e-mail ou outras formas de comunicação, fora da jornada, sem que isso conte como tempo à disposição do empregador, regime de prontidão ou de sobreaviso.

Publicada pelo governo federal no final de março, a Medida Provisória 1.108/22 estabelece esse e outros tipos de precarização das relações de trabalho ao regulamentar o trabalho híbrido, ou o teletrabalho, em que parte da jornada pode ser cumprida em home office.

Entre os regramentos, a medida permite ainda que “empregados em regime de teletrabalho que prestam serviços por produção ou tarefa” podem atuar sem controle de jornada. Assim, passam a ser admitidos dois tipos de regime de jornada para o teletrabalho: com controle de ponto e pagamento das horas extras e sem jornada de trabalho, por produção ou tarefa.

Foto: Cainelli & Stefanello/ Divulgação

“A tecnologia é a desculpa para retroceder a conceitos que datam do século 19”, resume Stefanello

Foto: Cainelli & Stefanello/ Divulgação

“A MP 1108 é mais uma iniciativa do atual governo rumo à plena desregulamentacão do trabalho. Mais uma vez, sob o argumento da modernidade e de uma falsa impossibilidade de controle de jornada, se estabelece o teletrabalho por produção, sem controle do tempo à disposição do empregador e principalmente em desrespeito completo ao direito à desconexão. A tecnologia é a desculpa para retroceder a conceitos que, na verdade, datam do século 19”, avalia o advogado trabalhista Henrique Stefanello Teixeira, do escritório Cainelli Advogados, credenciado pelo Sinpro/RS, e assessor jurídico da Federação dos Trabalhadores em Educação (FeteeSul).

Menos direitos, mais lucros

A MP do teletrabalho é duramente criticada pelo secretário de Relações de Trabalho da CUT Nacional, Ari Aloraldo do Nascimento. Segundo ele, há um movimento no Brasil e no mundo, de interesse do empresariado, pela expansão das formas de controle do trabalho a distância e pela redução e repasse de custos da atividade econômica das empresas.

“A MP, não por acaso, trata da possibilidade do teletrabalho por produção, sem controle de jornada de trabalho, do tempo de não trabalho, dos descansos remunerados, do direito à desconexão, sem contrapartidas de remuneração, repassando os custos da empresa para a classe trabalhadora, sem discussão de condições de saúde e segurança, e do direito da família à privacidade e outros direitos”, aponta Nascimento.

Depois da reforma trabalhista, a MP de Bolsonaro amplia a precarização do trabalho ao flexibilizar os limites do volume de trabalho e da jornada sem a necessidade de acordo coletivo. A pressão é cada vez maior por acordos individuais.

Foto: CUT-RS/ Divulgação

Para Cenci, da Cut-RS, a MP do teletrabalho invade o período de descanso e precariza o direito à desconexão

Foto: CUT-RS/ Divulgação

“Na negociação individual o trabalhador ou a trabalhadora que necessita do trabalho para seu sustento e da família, ainda mais em momentos de crise econômica como o atual, se sujeita a qualquer tipo de regramento da empresa. Já na negociação coletiva, a classe trabalhadora une forças para colocar limites à sanha do capital de aumentar seus lucros através da precarização das condições de trabalho”, esclarece o dirigente da CUT.

Com a edição da medida, o governo ataca um direito conquistado por meio da luta sindical junto às empresas nas negociações coletivas e junto ao Congresso Federal, destaca Nascimento.

“A ampliação do teletrabalho foi acelerada durante a pandemia como forma de proteção a milhões de trabalhadores e trabalhadoras que tiveram a oportunidade de não se exporem ao vírus da covid-19 nos locais de trabalho, sobretudo em sua fase mais aguda”, ressalta.

No jogo de desregulamentação do trabalho, quem perdem são os trabalhadores. Uma amostra disso ocorreu no segundo ano de pandemia, quando o teletrabalho imposto pela pandemia representou ganhos para os empregadores. Em 2021, as companhias de capital aberto lucraram 235% a mais depois de uma redução de 35% nos ganhos em 2020.

De acordo com dados da consultoria Economatica, os resultados dessas empresas aumentaram R$ 228 bilhões em relação ao patamar da pré-pandemia.

“Esse é o resultado da combinação de rebaixamento dos salários com redução de custos”, aponta Amarildo Cenci, presidente da CUT-RS. “Além de invadir o período de descanso dos trabalhadores a MP torna o direito à desconexão cada vez mais difícil de ser exercido”, constata.

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