EDUCAÇÃO

Orçamento do MEC pode perder R$ 7,8 bilhões em 2023

Próximo governo deverá priorizar a recomposição do orçamento para a educação, que vem perdendo verbas de forma progressiva desde 2017, além de ações estruturais para recuperar a educação básica
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 14 de outubro de 2022

Foto: Alex Rocha/ PMPA

Alvo de sucessivos cortes de orçamento do MEC, o programa Educação Básica de Qualidade terá R$ 1 bilhão a menos também em 2023

Foto: Alex Rocha/ PMPA

Entidades representativas e especialistas em educação reivindicam ações emergenciais a serem enfrentadas pelo próximo governo para evitar um apagão definitivo na educação pública do país, após sete anos de declínio. Além da revogação do teto de gastos e da BNCC, a agenda mínima do setor aponta a urgência na recomposição dos recursos para o financiamento do MEC, que vêm sendo cortados de forma sistemática desde 2017 e atingiram seu auge neste ano. O Projeto de Lei Orçamentária para 2023 enviado pelo Palácio do Planalto ao Congresso Nacional propõe mais cortes: quase R$ 600 milhões dos recursos essenciais para o ensino superior e R$ 1 bilhão da verba da educação básica. Já a educação infantil pode perder nada menos que 96% do orçamento com o corte previsto de R$ 145 milhões

Foto: Eduardo Baleske/ PMPA/ Divulgação

Na previsão orçamentária para o próximo governo, a educação infantil perde 96% do seu orçamento, com um corte de R$ 145 milhões

Foto: Eduardo Baleske/ PMPA/ Divulgação

Janeiro de 2023 inicia um novo ciclo no país, com novos mandatos nos executivos federal e estaduais. Na mesa dos governantes, questões complexas para a educação nacional estarão novamente colocadas para os próximos quatro anos. As desigualdades e os cortes orçamentários em todas as áreas durante o mandato de Jair Bolsonaro (PL) confrontaram o setor com um dos piores períodos das últimas décadas nesses três anos e meio em que cinco ministros passaram pelo Ministério da Educação e provocaram estragos, cada um a seu modo, mas todos de forma desastrosa.

Para resgatar a educação pública de qualidade, a pauta mínima de entidades representativas da educação e especialistas sinaliza para a urgência na recomposição dos recursos para o financiamento do MEC, que começaram a ser estrangulados após o golpe que depôs a então presidente Dilma Rousseff (PT). Além do teto de gastos, o estrangulamento das verbas para a educação é visto como um dos principais entraves que precisará ser atacado pela próxima gestão.

Cada vez mais cortes nos recursos

Se entre 2002 e 2015, por prioridade política, o orçamento do MEC foi crescendo paulatinamente de R$ 18,01 bilhões para R$ 126,14 bilhões, a partir de 2017 começou a ocorrer o inverso.

O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2023 enviado pelo governo ao Congresso Nacional impõe ainda mais cortes de recursos.

No total, a proposta orçamentária para o MEC em 2023, desconsiderada a complementação ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), apresenta redução de R$ 7,8 bilhões (-7,6%) em relação a 2022.

O que foi projetado em R$ 137,9 bilhões para este ano, após o anúncio de cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) já no mês de maio, começou a ser modificado. O MEC foi informado que haveria um bloqueio de R$ 3,2 bilhões, que atingiu institutos e universidades federais, mas o que ocorreu foram mais cortes, que ultrapassaram R$ 621 milhões. É o equivalente a 7,2% de todo o orçamento previsto para as instituições federais em 2022.

A justificativa: atender ao teto de gastos, apesar de boa parte da verba ter sido remanejada para uso no Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro).

Para o próximo período, chama atenção a proposta de redução de mais de R$ 1 bilhão no orçamento do programa Educação Básica de Qualidade, que vai de R$ 10,849 bilhões para R$ 9,753 bilhões, e a educação infantil que perde 96% e fica apenas com R$ 5 milhões.

Nessas áreas que foram divulgadas por Bolsonaro como prioridades em sua reeleição, salta aos olhos uma curiosidade. Enquanto corta R$ 146 milhões que serviriam para a ampliação de vagas, a construção e manutenção de creches em todo o país, o presidente deixa R$ 147 milhões na PLOA para fazer 40% de uma escola militar na cidade de São Paulo.

Além disso, estão em risco recursos essenciais para programas destinados ao ensino superior, com cortes de R$ 594,5 milhões. Na Educação de Jovens e Adultos (EJA), o corte sugerido é de 56%. Assim, o programa considerado fundamental para a erradicação do analfabetismo  ficaria com R$ 16,8 bilhões para 2023.

Foto: Marcelo Menna Barreto

Ex-ministro da Educação, Renato Janine defende o resgate do Plano Nacional de Educação, valorização dos professores e ações para o ensino básico

Foto: Marcelo Menna Barreto

Para o ex-ministro da pasta Renato Janine Ribeiro, a educação nacional, que registrou avanços a partir da década de 1990, entrou em declínio nos últimos sete anos. Ele, que esteve à frente do MEC em 2015, vê enormes desafios a serem enfrentados pelo próximo governo. “De 2019 para cá, tivemos retrocessos gigantescos. Muita gente ainda não percebeu o quanto o esforço de retomada vai ser trabalhoso. Cada ano de destruição vai requerer anos de recomposição”, afirma o hoje presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

“Temos que recuperar o Plano Nacional de Educação que foi promulgado em 2014 e que tem 250 medidas a serem tomadas. Dessas, talvez nem 20 tenham sido adotadas”, lamenta Ribeiro.

O ex-ministro da Educação cita como exemplo a questão da remuneração dos docentes, que ultrapassa a questão corporativa, o esvaziamento da docência em áreas como a Química. “Aquele que poderia ser professor dessa área opta em trabalhar em uma empresa para ganhar um salário melhor”, ilustra.

Em 2014, os professores da educação básica com formação universitária recebiam um salário que correspondia a apenas 72% da média salarial de profissionais de outras áreas que também têm ensino superior. “Um incentivo negativo”, compara. Uma das metas era recuperar esses salários para que os professores com o ensino superior na rede básica se equiparassem à média de quem faz um curso superior de quatro anos.

“Isso não aconteceu, muito pelo contrário. Os salários foram desgastados. Um caso claro que traz um problema particularmente grave. Não se tem ensino das ciências exatas, não desmerecendo outras em áreas que já são difíceis conseguir professor”, pontua.

Regulamentação do SNE

Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado

Investimentos dependem da revogação do teto de gastos e do resgate da economia,
alerta Daniel Cara, da USP e Campanha pelo Direito à Educação

Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado

Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha), vê urgência na regulamentação do Sistema Nacional de Educação (SNE).

A regulamentação deverá fazer frente à demanda estrutural de governança e à questão do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), um indicador criado pela Campanha que mostra quanto deve ser investido ao ano por aluno de cada etapa e modalidade da educação básica.

“São medidas que parecem ser simples, mas exigem muito esforço para serem aprovadas em quatro anos. Se o futuro governo priorizar a educação básica, dá para se aprovar em dois anos. A gente vai trabalhar para isso”, adianta.

Na opinião de Daniel Cara, “é preciso retomar os investimentos. Sem medidas como a revogação do teto de gastos e a retomada do crescimento econômico, isso não vai acontecer”, projeta.

Para ele, a Emenda Constitucional 95, a qual limitou por 20 anos os gastos públicos, somente engessou o financiamento de políticas públicas e não trouxe benefícios ao país. O professor também destaca que será fundamental revisar o atual processo educacional e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e vice-presidente da Internacional da Educação para a América Latina (IEAL), Fátima Silva, acrescenta que “no campo pedagógico, do conhecimento, é importante a revogação do novo ensino médio porque ele traz cada vez mais segregação das camadas populares”.

A reforma do ensino médio reduziu a carga horária das disciplinas gerais, tornou obrigatórias apenas Português e Matemática e instituiu a especialização dentro de uma das áreas do conhecimento ou ensino técnico profissionalizante, os itinerários formativos. Outras medidas, como a permissão do “notório saber” para a prática docente, sem a necessidade de diploma em licenciatura, e a regulamentação da oferta parcial de ensino na modalidade a distância ainda são alvos de críticas.

Sobre o notório saber, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) lançou a Campanha Nacional contra a Desprofissionalização do Professor.

Para Fátima Silva, da CNTE, a revisão dos currículos do ensino médio ajudaria a reverter o divisionismo que está colocado na sociedade brasileira, com parte da população ainda sem o real conhecimento dos processos que formataram o país hoje. “Isso se faz através da educação, através de um processo que não se dá no curto prazo, mas precisa ser iniciado. Trabalhar o que foi a independência, a escravidão, quais seus reflexos nos dias de hoje; o latifúndio, que começa com as capitanias hereditárias. Um estudo baseado na realidade”, enumera.

Analfabetismo e escola integral

Já o professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Lalo Watanabe Minto entende que há um desafio que independe de governos e mandatos e que está longe de ser resolvido. “Na promulgação da Constituição Federal em 1988, estavam previstas a erradicação do analfabetismo e uma política de valorização profissional do magistério em 10 anos”, uma ideia que vem sendo empurrada para a frente desde então, observa. Ele elenca o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) e o Fundeb.

“A questão crucial é que cada vez que se posterga a solução da lacuna diagnosticada há quase 35 anos, o problema fica ainda maior, adquire outras características devido às diferenças na população, diferenças no público que está chegando à escola, que está ficando, que está saindo”, analisa Watanabe.

São realidades como pais que precisam cada vez mais se ausentar do dia a dia de seus filhos para trabalhar, pais e mães que criam filhos sozinhos. “Mesmo que não haja consenso pedagógico, a questão da escola integral como política, hoje, tem mais relevância do que em anos anteriores”, contextualiza.

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