JUSTIÇA

Após dois dias de cerco, sem-terras temem massacre

Alvos de uma controversa ação de despejo em plena pandemia, famílias de agricultores do assentamento Quilombo Campo Grande relatam assédio e atos de violência da polícia mineira
Por Gilson Camargo / Publicado em 14 de agosto de 2020
Polícia militar mantêm cerco ao assentamento de agricultores do MST desde a madrugada de quarta-feira

Polícia militar mantêm cerco ao assentamento de agricultores do MST desde a madrugada de quarta-feira

Foto: Ágatha Azevedo/ MST

A situação no acampamento Quilombo Campo Grande, no município de Campo do Meio, sul de Minas Gerais está a ponto de se deteriorar para um massacre após mais de 48 horas de cerco policial, segundo relatos da direção estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).

Além de cortar o abastecimento de alimentos e água, PM sitiou o acampamento com fogo e faz constantes sobrevoos de helicóptero para intimidar os assentados

Além de cortar o abastecimento de alimentos e água, PM sitiou o acampamento com fogo e faz constantes sobrevoos de helicóptero para intimidar os assentados

Foto: Ágatha Azevedo/ MST

O assentamento não é uma invasão de terras, mas resultado de um processo legal de desapropriação de terras improdutivas para a reforma agrária. Estruturado pelo MST há mais de 22 anos, o Quilombo se transformou em polo de produção agrícola sustentável no estado. Ocorre que a área está assentada sobre o espólio de uma influente família de pecuaristas da região em disputa com o governo do estado.

Alvo de sucessivas investidas do governo na tentativa de remover os agricultores e de ações de pistoleiros, o assentamento está localizado em uma área de 3,6 mil hectares que pertence à massa falida da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia) – sobrenome de uma das mais influentes famílias de pecuaristas da região, envolvidas em crimes ambientais e disputa agrária.

A empresa, que usava as terras para a monocultura de cana de açúcar e produção de álcool, fechou em 2002 sem pagar os direitos rescisórios dos seus mais de mil trabalhadores. “São 22 anos de conflito e resistência no território, lidando com pistoleiros, a mando de Jovane de Souza Moreira. Após enfrentar cinco despejos, em diferentes áreas, as famílias do MST conhecem o caminho para retornar com mais força e conquistar a terra. Na área, estava em construção um polo de conhecimento e tecnologia em agroecologia”, protestou em um comunicado a direção mineira do MST.

PM cortou abastecimento e ateou fogo nos acessos

Polícia Militar disparou bombas de gás contra os assentados

Polícia Militar disparou bombas de gás contra os assentados

Foto: MST/ Divulgação

Desde o início da operação para cumprir uma ação de reintegração de posse, na madrugada de quarta-feira, centenas de policiais militares sob o comando do 64º Batalhão da Polícia Militar sitiaram as famílias. De acordo com os relatos divulgados de dentro do assentamento por sem-terras, são constantes as ameaças e intimidações. A polícia impede o abastecimento de água, a entrada da imprensa e de apoiadores, e na tarde e noite de quinta-feira ateou fogo na vegetação próxima às estradas de acessos ao assentamento. A tensão piorou nesta sexta-feira, com o aumento dos sobrevoos de helicóptero com policiais armados fazendo pontaria na direção dos assentados. À tarde, a tropa disparou bombas de gás contra os assentados.

“As famílias ficaram sem acesso à alimentação. As passagens foram bloqueadas para que imprensa e os apoiadores do movimento não possam chegar ao acampamento. Helicópteros sobrevoam a área com policiais apontando armas. E estão anunciando a chegada da tropa de choque. São incontáveis as violações de direitos humanos desde o início deste despejo criminoso. Estamos diante da possibilidade real de que um massacre aconteça, graças ao fascismo e à covardia de Romeu Zema”, alerta o MST em um comunicado pelas redes sociais. O governador Romeu Zema (Novo) divulgou informações contraditórias sobre a ordem de despejo. O MST questionou a medida junto ao STJ, que ainda não se pronunciou.

Iminência de massacre e exposição à Covid-19

Resistência: mais de 450 famílias vivem no local sitiado pela polícia

Resistência: mais de 450 famílias vivem no local sitiado pela polícia

Foto: Ágatha Azevedo/ MST

O movimento abriu diversas campanhas virtuais e petições ao poder público e a instâncias do judiciário nas quais denunciam a violação de direitos humanos e cerceamento do acesso à saúde pelo governo em virtude do despejo de 450 famílias em plena pandemia. Também questionam a legitimidade da ordem de reintegração de posse, assinada por um juiz local sob suspeição no caso das terras onde está o assentamento.

“O governador pode gerar uma contaminação em massa por Covid-19, no município de Campo do Meio, Minas Gerais. A pequena cidade não possui recursos para prestar atendimento médico ao número pessoas que podem estar infectadas neste momento”, destaca o MST nas redes com as hashtag #SalveQuilombo e #ZemaCriminoso.

“As famílias estão há mais de 48 horas em resistência, sem dormir ou se alimentar direito. E não há como evitar aglomeração. Policiais também podem estar se contaminando. Há grávidas, idosos e outras pessoas do grupo de risco, completamente expostas ao vírus e à iminência de uma violência policial. O MST já desocupou a área referente à sede da usina e luta para que casas e lavouras não sejam destruídas”, relata Geanini Hackbardt, da direção estadual do MST.

INTEGRIDADE – Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch, da Defensoria Especializada em Direitos Humanos, explicou que a área referente ao processo de despejo no Acampamento Quilombo Campo Grande já foi reintegrada e não há motivo para a permanência da polícia no local. Uma comissão da assembleia legislativa está a caminho de Campo do Meio para acompanhar o caso e tentar garantir a integridade das famílias. O MST informou que a desocupação da área da usina tenta evitar que casas e lavouras não sejam destruídas. O teólogo e escritor Leonardo Boff criticou a truculência e acusou o governador de ceder à pressão de um produtor de café que quer expandir sua plantação e está por trás da tentativa de despejo. “O governo estadual mostra que é irresponsável. Há um decreto que impede remoções durante a pandemia. Derrubaram uma escola e levaram várias famílias. Isso é um crime e deveria ser denunciado mundialmente. Temos um presidente irresponsável, mas também governadores que o imitam”, afirmou o frei em uma entrevista à Rádio Brasil Atual.

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