JUSTIÇA

Aeronave clandestina pulveriza veneno sobre assentamento do MST em Nova Santa Rita

Nova investida contra agricultores ocorreu uma semana após decisão judicial que proíbe o uso de agrotóxicos por fazendeiros de arroz e soja não orgânicos da região
Por Gilson Camargo / Publicado em 18 de março de 2021
Casas, plantações e estufas foram atingidas por substância química, que provocou intoxicação de pessoas no assentamento

Foto: MPTRS/ Divulgação

Casas, plantações e estufas foram atingidas por substância química, que provocou intoxicação de pessoas no assentamento

Foto: MPTRS/ Divulgação

Agricultores do assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita denunciaram à polícia civil, ao Ministério Público e ao judiciário, na manhã desta quinta-feira, 18, novo ataque aos sem-terra com a pulverização de substâncias químicas sobre as plantações.

Diversas pessoas foram atendidas no posto de saúde local com sintomas de intoxicação, irritações nas vias aéreas, dores de cabeça e náuseas. Elas foram atingidas pela pulverização deliberada de veneno feita por uma aeronave clandestina diretamente sobre as casas e lavouras do assentamento.

De acordo com a denúncia dos sem-terra, o avião clandestino, um bimotor identificado apenas pelo prefixo PP XET, sem licença para a aviação agrícola, sobrevoou o assentamento no final da tarde de quarta-feira, 17, dando vários rasantes sobre as moradias, hortas e estufas e em seguida liberou uma nuvem de veneno. A ação foi registrada em fotos e vídeos encaminhados pela assessoria jurídica do assentamento à polícia, ao MPRS e à Justiça Federal.

Ataque deliberado após decisão judicial

Sobrevoos foram registrados pelos sem-terra

Foto: MST/ Divulgação

Sobrevoos foram registrados pelos sem-terra

Foto: MST/ Divulgação

O ataque ocorreu cerca de uma semana depois que os agricultores obtiveram na Justiça uma liminar que proíbe a utilização indiscriminada de agrotóxicos por fazendeiros da região. A decisão favorável da 9ª Vara Federal de Porto Alegre foi obtida depois que os sem-terra denunciaram a destruição das plantações pela deriva da pulverização de pesticidas por proprietários de fazendas vizinhas.

A ação coletiva dos produtores contou com o apoio da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (Agapan), Instituto Preservar, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá), Núcleo Amigos da Terra (Brasi), Associação Comunitária 29 de Outubro, Associação Amigos do Meio Ambiente (AMA) e Cooperativa Central dos Assentamento do Rio Grande do Sul (Coceargs).

“Ainda estamos assustados com os últimos ocorridos, mas o fato é que o que aconteceu aqui não foi casual e nem um simples tráfego da aeronave. Foi um recado claro e visível ameaça. O avião sobrevoou por, no máximo dez minutos. Foram três voltas e com voo baixo sobre as casas, algo que nunca tinha acontecido. Outro dado importante foi a rota que a aeronave fez, sempre por cima das propriedades que têm horta e estufas, porque os fazendeiros sabem que foram esses agricultores que denunciaram a deriva de novembro”, relata Augusto Olsson, da liderança dos assentados.

“Acreditamos que tenha sido uma retaliação à liminar concedida pela Justiça suspendendo o uso de agrotóxicos na região. Além de uma desobediência à determinação do judiciário, é muito grave porque desta vez não foi só a deriva de agrotóxicos, foi um ataque deliberado, proposital, tanto que a aeronave sobrevoou as casas e as plantações uma seis vezes”, afirma Emiliano Maldonado, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap).

De acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a aeronave não está registrada para a aviação agrícola. A propriedade do avião é investigada pela polícia civil.

Ataques do agronegócio

Assentamento Santa Rita de Cássia integra o complexo de produção do MST, o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina

Foto: Alex Garcia/ MST/ Divulgação

Assentamento Santa Rita de Cássia integra o complexo de produção do MST, o maior produtor de arroz agroecológico da América Latina

Foto: Alex Garcia/ MST/ Divulgação

O assentamento da reforma agrária é referência na produção de arroz orgânico e da agricultura agroecológica do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que por sua vez é o maior produtor de arroz sem a aplicação de venenos do plantio à colheita na América do Sul. No Santa Rita de Cássia II, pioneiro da reforma agrária no estado, vivem cerca de 30 famílias. Depois dos produtores de uvas, os sem-terra vêm sendo as novas vítimas de produtores de grãos não orgânicos, que usam agrotóxicos em larga escala em suas lavouras, provocando a contaminação por deriva de venenos. Os ataques deliberados contra os sem-terra vêm se tornando cada vez mais frequentes. Em novembro do ano passado, a deriva de agrotóxicos destruiu cerca de 80% das plantações e provocou intoxicações de agricultores nos assentamentos em Nova Santa Rita e Eldorado do Sul.

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