SAÚDE

Porto Alegre confirma transmissão comunitária da variante delta do novo coronavírus

Capital tem um caso confirmado e 27 suspeitas de contaminação pela cepa mais agressiva do vírus da covid-19. No Rio Grande do Sul, já são 52 infectados
Por Gilson Camargo / Publicado em 19 de agosto de 2021

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

Trens superlotados e sem circulação de ar ou distanciamento, muitos passageiros sem máscara: nos horários de maior movimento, protocolos são abandonados no transporte público

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

A Secretaria municipal de Saúde de Porto Alegre confirmou na noite de quarta-feira, 18, circulação da variante delta do Sars-CoV-2 (coronavírus) e a transmissão comunitária da nova cepa na capital.

De acordo com o alerta epidemiológico da Equipe de Vigilância de Doenças Transmissíveis, “a declaração de transmissão comunitária se embasa em um caso confirmado de pessoa residente de Porto Alegre, sem histórico de viagem ou mesmo contato com pessoas que tenham viajado para localidades onde já há transmissão comunitária estabelecida desta variante de preocupação (VOC)”.

O paciente com diagnóstico para a variante delta esteve internado por sete dias no Hospital Nossa Senhora da Conceição (GHC), na zona norte da capital. O homem de 65 anos, morador De Porto Alegre, recebeu a segunda dose da vacina contra a covid-19 no dia 20 de maio. Com comorbidades cardiológicas e diabetes, ele foi internado no dia 15 e teve alta no dia 27 de julho.

Foto: Kátia Helena Dias / UFPel

Avanço da variante coloca em xeque a campanha de vacinação, diz Hallal, da UFPel

Foto: Kátia Helena Dias / UFPel

A confirmação por análise genômica completa foi feita pelo Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Centro de Vigilância em Saúde. O caso da variante delta agrava o surto de covid-19 registrado no Hospital Conceição, que de acordo com a última atualização desta quinta-feira, 19, tem 136 casos confirmados entre pacientes e 42 funcionários e 14 óbitos de pacientes. Duas mortes foram registradas nas últimas 24 horas. Um dos pacientes é uma mulher de 82 anos com comorbidades desconhecidas, hospitalizada com quadro de AVC e diagnosticada com covid por rastreio na unidade neurovascular e que havia recebido as duas doses da vacina coronavac; e um homem de 64 anos, morador de Viamão, com neoplasia.

Em Porto Alegre, também foram registrados surtos de covid-19 no Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e no Hospital Vila Nova.

Além dessa ocorrência, há outros 27 de provável contaminação por delta, conforme análises genômicas parciais realizadas pelo Lacen/RS, ICBS/Ufrgs e HCPA. De acordo com o boletim da vigilância em saúde, “embora não sejam, por ora, resultados de sequenciamento total, são análises que identificam mutações típicas da variante Delta”.

O avanço da variante delta coincide com o relaxamento das medidas de isolamento em locais públicos e no transporte coletivo e preocupa epidemiologistas. “Infelizmente, mais do que previsível. A delta já tem transmissão comunitária em todo o Brasil. E esse avanço coloca em risco os resultados positivos colhidos até agora da campanha de vacinação. É a delta puxando contra nós e a vacina a nosso favor, como se fosse um cabo de guerra”, avalia Pedro Hallal, epidemiologista e pesquisador da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador da pesquisa Epicovid-19.

Cepa divergente

A variante Delta é um subtipo da linhagem viral B.1.617, que emergiu na Índia em outubro de 2020. Em maio deste ano, após ser associada ao agravamento da pandemia na Índia e no Reino Unido, a cepa foi declarada como variante de preocupação pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

De acordo com a OMS, a variante circula em, pelo menos, 85 países do mundo. Além disso, nove nações sequenciaram vírus da linhagem B.1.617, sem realizar a identificação da sublinhagem viral.

No Brasil, infecções causadas pela variante Delta foram diagnosticadas em viajantes no Maranhão, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Goiás, segundo o Ministério da Saúde.

No dia 19 de junho, a Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia confirmou o primeiro registro de transmissão local da cepa.

Assim como outras variantes de preocupação, a Delta possui mutações na região do genoma responsável por orientar a produção da proteína espícula do novo coronavírus – também chamada de proteína S ou Spike, na nomenclatura em inglês. Essa molécula, que se localiza na superfície da membrana viral, compondo a coroa do vírus, é responsável pela primeira etapa do processo de infecção: a adesão do vírus às células. Por isso mesmo, é o alvo dos anticorpos mais potentes produzidos pelo organismo para neutralizar o Sars-CoV-2.

De acordo com a Fundação Osvaldo Cruz, o surgimento da variante delta coincide com a reversão no processo de rejuvenescimento da pandemia no Brasil. “Novamente, as internações em leitos de UTI para adultos no Sistema Único de Saúde (SUS) e, principalmente, o número de óbitos concentram um maior número de idosos”, informa o Boletim do Observatório Covid-19 da instituição.

Margem de segurança da vacinação

Foto: HCPA/ Reprodução

“Calendário vacinal ainda não atingiu valores compatíveis com a desejada imunidade coletiva”, alerta Kuchenbecker

Foto: HCPA/ Reprodução

As evidências sobre a transmissão comunitária a partir de infecções causadas pela variante delta são muito preocupantes à medida que essa variante tem capacidade de causar maior número de infecções. “Sobretudo num contexto em que o calendário vacinal ainda não atingiu valores compatíveis com a desejada imunidade coletiva, correspondendo a, pelo menos 100% do grupo prioritário (adultos e pessoas portadoras de comorbidades) ou pelos menos 75% da população em geral”, avalia o médico Ricardo de Souza Kuchenbecker, professor de Epidemiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e gerente de risco do HCPA.

Ainda que o RS esteja entre os estados que proporcionalmente mais vacinaram suas populações nesta quinta-feira, 19, exemplifica, pouco menos de 40% da população vacinável recebeu as duas doses da vacina para a covid-19, condição crítica para oferecer proteção em termos populacionais, ainda mais num contexto em que ainda há elevada circulação do vírus. “Neste contexto, a variante pode seguir gerando novos casos e, proporcionalmente, mais internações e formas de adoecimento mais graves. É muito importante que esforços sejam feitos no sentido de intensificar o calendário vacinal para a covid-19 no Brasil, ante ao risco de emergência de variantes como a p1, responsável pela elevação dos casos no RS em março e abril e a delta que dá agora demonstrações de transmissão comunitária”, alerta Kuchenbecker.

Contaminação em aviões

Outros quatro casos de viajantes com resultado positivo para a variante delta do novo coronavírus na testagem oferecida pela prefeitura de Porto Alegre após o desembarque no aeroporto também foram confirmados.

Uma passageira que viajou do Rio de Janeiro para a capital gaúcha no dia 27 de junho, com coleta do exame RT-PCR no dia 28 de junho, testou positivo para a variante. O diagnóstico integra o trabalho do controle sanitário realizado de forma presencial no Aeroporto pela Secretaria Municipal de Saúde.

Os outros três casos foram dois viajantes vindos do Rio de Janeiro e um de Cancún, no México, que manifestaram interesse em fazer a testagem e preencheram o formulário do viajante oferecido pela SMS a todos os passageiros residentes em Porto Alegre ou que ficariam hospedados na cidade por quatro dias ou mais.

A segunda etapa da ação de controle sanitário começou em 19 de julho. Desde então, 165 viajantes preencheram o formulário, dos quais 76 foram testados. Desses, 68 tiveram exame com resultado negativo para covid-19, quatro positivaram e quatro aguardam o resultado do exame laboratorial.

A DVS reitera a importância das medidas de prevenção e controle da disseminação do Sars-CoV-2, tanto dentro das instituições de saúde, como em todos os demais locais, e por todas as pessoas, incluindo as já com esquema completo de vacinação: evitar aglomerações, manter ambientes arejados, usar máscara adequadamente, higienizar mãos e estações de trabalho, e principalmente, cumprir isolamento por pelo menos dez dias mediante suspeita ou confirmação de covid-19. Contatos domiciliares de casos suspeitos ou confirmados também devem permanecer em quarentena.

Em 9 de agosto, a DVS já havia emitido alerta epidemiológico sobre indícios que sugeriam a presença da variante delta em Porto Alegre, como a retomada de surtos hospitalares com alta velocidade de propagação e análises genômicas parciais, realizadas pelo Laboratório Central do Estado (Lacen-RS) e pelo Instituto de Ciências Básicas da Saúde da Ufrgs (ICBS/Ufrgs).

Estado registrou aumento de 15 para 52 casos da variante

O Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs) confirmou na terça-feira, 17, mais 11 casos da variante delta do coronavírus. A confirmação foi realizada por meio de sequenciamento genético completo, nos mesmos moldes do que é realizado na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro. Portanto, para esses casos, o retorno do laboratório carioca não se faz mais necessário. Esses casos confirmados são de residentes dos municípios de Alvorada, Caxias do Sul, Esteio, Passo Fundo, Porto Alegre, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Triunfo. Todas as amostras já tinham passado por sequenciamento genético parcial no Cevs e apontado para provável delta.

Outros 26 casos confirmados da variante delta foram notificados ao Cevs na terça-feira, 17, sendo quatro pelo Laboratório de Bioinformática Aplicada a Microbiologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), todos de residentes em Santa Maria, e 22 pelo Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale. As universidades usaram a tecnologia de sequenciamento genético completo para a confirmação. Com isso, o estado passa de 15 para 52 casos confirmados da variante.

De acordo com o especialista em saúde do Cevs, Richard Steiner Salvato, o Lacen/RS e o Centro de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CDCT), ambos ligados ao Cevs, têm tecnologia e recursos humanos para realizar esse tipo de sequenciamento genético. Os testes não são realizados com maior frequência pela dificuldade de aquisição e alto custo dos insumos necessários.

“Por isso, optamos, para fins de vigilância genômica em tempo real e abrangendo uma quantidade maior de amostras, realizar o sequenciamento genético parcial, mais rápido e mais barato, mas com alta precisão e pouca probabilidade de erro”, explicou Salvato.

No momento, porém, existe a necessidade técnica do sequenciamento genético completo em pelo menos parte das amostras, para acompanhar a evolução do vírus e identificação de potenciais novas variantes. A última vez que o Cevs havia realizado este tipo de teste foi em novembro de 2020, para a identificação da variante P2.

Prováveis delta

Junto com a confirmação dos casos, nesta terça-feira (17/8) o Cevs divulgou novos 40 casos prováveis de delta. Desses, 28 foram identificados por sequenciamento parcial do Cevs e os outros 22 foram identificados pelo laboratório da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por uma outra técnica por exame de RT-PCR. O número total de prováveis delta aguardando confirmação no Estado está em 90 casos.

Municípios com casos confirmados da variante delta

Alvorada, Canoas, Caxias do Sul, Esteio, Gramado, Nova Bassano, Passo Fundo, Porto Alegre, Santa Maria, Santana do Livramento, São José dos Ausentes, São Leopoldo, Sapucaia do Sul e Triunfo.

Municípios com casos prováveis da variante delta

Alegrete, Alvorada, Bom Retiro do Sul, Cachoeirinha, Canela, Canoas, Capão Da Canoa, Caxias do Sul, Cidreira, Esteio, Garibaldi, Gramado, Gravataí, Guaíba, Montenegro, Não-Me-Toque, Novo Hamburgo, Paraí, Passo Fundo, Porto Alegre, Santo Ângelo, São Francisco de Paula, São Leopoldo, Sapucaia Do Sul, Vacaria e Viamão.

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